Composto Orgânico
UMA ABORDAGEM CRÍTICA
É extremamente difícil falarmos de Agricultura Orgânica sem mencionar Composto e a Compostagem Aeróbica (CA) tradicional.
O maior divulgador dessa técnica no ocidente, Sir. Albert Howard, que a trouxe da Índia em 1920, é, por muitos, no Brasil (pasmem) considerado até o “pai da Agricultura Orgânica”.
Pelo menos essa é a visão dos sites oficiais de associações, universidades e órgãos de pesquisa, Embrapa incluída, que repetem ad nauseam esse texto muitas das vezes ipsis literi tal qual um vírus mental ou meme, quando talvez fosse mais justo e honesto colocar, no mínimo, Howard junto com o Dr Rudolf Steiner e Lady Eve Balfour como os precursores do que hoje pode ser chamado de Agricultura Orgânica no Ocidente e Massanobu Fukuoka como o precursor do movimento orgânico no Oriente.
A visão tradicional dos “donos da verdade” é a de que Agricultura Orgânica se faz obrigatoriamente com o uso de CA pelo método Indore/Howard.
Teses foram escritas mencionando Howard e a Compostagem Aeróbica como um dos principais fundamentos e pilares da Agricultura Orgânica.
Esse arcabouço mental foi ainda mais reforçado pela tradição européia da CA reforçadas pelas práticas biodinâmicas com utilização de preparados biodinâmicos e por Mestres em Compostagem como Hans Müller e a família Luebke da Áustria e também pela divulgação desse método nos EUA por J.I. Rodale, que o obteve via Ehrenfried Pfeiffer um discípulo de Steiner, desde 1920.
Essa suposição de que agricultura orgânica seja sinônimo de CA levou vários projetos ao fracasso por acharem que comprando Compostos Aeróbicos estariam comprando a fertilidade que os permitiria cultivar alimentos de forma orgânica sem o uso de fertilizantes químicos.
Me lembro perfeitamente da Dra Primavezi relatando casos de insucesso por essa suposição errônea, que tinham até a capacidade de irritá-la ao ponto de fazê-la se pronunciar publicamente contra esse uso indiscriminado onde, via de regra, eram esperados resultados miraculosos do composto. Devido a isso, alguns desavisados ficaram com a impressão de que a Dra Primavezi “não gosta” de composto, o que creio, não seja o caso. Ela tem se posicionado várias vezes contra o uso indiscriminado e contra a fé cega nesse insumo, em detrimento de outros pontos importantes como o restabelecimento da fertilidade do solo via correção de bases, fósforo, manejo adequado do solo e da sua matéria orgânica, culturas de cobertura (adubo verde), isto sim.
Por várias vezes aquela Professora deixou bem claro, assim como diversos outros autores, que é possível produzir alimentos de maneira orgânica sem o uso de fertilizantes, porém seria impossível produzir alimentos sem a devida fertilidade do solo. O composto seria apenas um elemento dentro desse enfoque do restabelecimento da fertilidade do solo e não o único.
Por composto aeróbico estamos nos referindo ao método de transformação da matéria orgânica com adequada relação de C/N com umidade ao redor de 35-55% a temperaturas que não excedam 60 graus Celsius e de forma aeróbica, com as suas fases conhecidas como termófila, mesófila e estabilização.
Ícones mais recentes da Compostagem Aeróbica (CA) como a Dra Elaine Ingham, oriunda da Oregon State University e hoje com o seu laboratório Soil Food Web, Inc., também associada ao Rodale Institute, defendem essa prática com veemência indo além e propugnando uma nova e inovadoras técnica que seria o “Compost Tea” ou Extrato de Composto Aerado, o qual eu tive a oportunidade de introduzir e divulgar no Brasil mais intensamente nos anos de 2000 a 2006, e que diga-se de passagem, funciona muito bem desde que tenhamos um composto perfeito isto é, com cerca de 40 a 50 % do seu peso total constituído de microrganismos, o que, na prática, é muito difícil de ser obtido, exceto quando se usa o vermicomposto também conhecido como “húmus” de minhoca.
Porém essa visão polarizada ocidental que temos da agricultura orgânica se choca frontalmente com novas e inovadoras propostas da tradição milenar oriental tal como a produção de compostos pelo método da fermentação anaeróbica com inoculação de consórcios de microrganismos eficientes, muitas vezes obtidos da microflora nativa de florestas e matas locais, frequentemente denominados de Bokashi.
Dir-se-ia que na visão ocidental do que vem a ser um processo de compostagem, a anaerobiose é sempre vista como uma coisa indesejável, e nesse caso, de fato o é, pelo simples fato de que ocorre de forma descontrolada e geradora de diversos compostos fitotóxicos e, por conseguinte indesejáveis. Esse aspecto já não ocorre com a compostagem anaeróbica oriental (Bokashi) onde todo o processo é mantido sob controle por força dos microrganismos eficientes que participam ativamente do processo coordenando-o e disciplinando-o.
A concepção de que o composto aeróbico oriundo do processo Indore/Howard teria supostamente uma qualidade superior, pelo simples fato de ser aeróbico, é uma visão distorcida da realidade. Eu diria que é até uma visão estereotipada de como funciona a compostagem. E como todo esteriótipo é uma meia verdade. E, eu mesmo, já tive a oportunidade de dizer que a meia verdade é a pior forma de mentira.
Mesmo me arriscando a ser execrado pelo status-quo orgânico conservador me atrevo a fazer algumas críticas pertinentes ao modelo ocidental de compostagem. Sem entrar no mérito de que existem compostos e compostos, e que, portanto, esse termo é muito vago, alguma coisa, entretanto, ainda pode ser dita.
Na Compostagem Aeróbica a relação C/N é de extrema importância. Muito pouco N, e a compostagem não se processa. Com N demais teremos condições ótimas para putrefação e anaerobiose descontrolada com formação de substancias tóxicas indesejáveis. Esse problema já não existe naCompostagem Fermentativa Anaeróbica (Bokashi) feita com M.E.M. ( Microrganismos Eficientes de Mata também conhecidos como I.M.O.) ou demais consórcios comerciais de M.E. como o Embiotic (Korin Meio Ambiente) ou o EM-1 (Ambiem Ltda -Bahia).
Com o uso de M.E.M. no sistema Bokashi a fermentação irá abaixar o pH rapidamente por ação dos microrganismos eficientes e nenhum odor pútrido será produzido.
Na produção de Bokashi a geração de gases que causariam o efeito estufa é mínima ou até inexistente. Já no método aeróbico ocidental grandes quantidades de CO2 são geradas tanto é que a pilha de composto geralmente termina o processo com o volume pela metade. Todo aquele volume de material que desaparece é transformado em CO2. Esse fato jamais é mencionado nos círculos orgânicos onde esse método de compostagem geralmente é endeusado, mas não obstante ele é sem dúvida alguma, um tremendo problema.
De acordo com Green & Popa em “Turnover of Carbohydrate-Rich Vegetable Matter” :
“A Compostagem Aeróbica (CA), é uma das rotas mais comuns para reciclar
a matéria orgânica que vai para o solo, tem vantagens econômicas e ecoló-
gicas inquestionáveis, porém tem algumas deficiências notáveis. O seu po-
tencial para reciclar o carbono é de 50% ou menos, o processo inteiro é lon-
go (= ou > 6 meses) e a sua “pegada” de Gases Geradores do Efeito Estufa
(GGEE) é muito grande. O principal gás gerado na CA é o CO2, mas o CH4
(cerca de 25 vezes mais potente como GGEE do que o CO2) é também um
sub produto notável. Junto com a mineralização do C , o Nitrogênio é tam-
bém liberado, na maioria das vezes como aminas, compostos heterocícli-
cos, amônia, nitrito e nitrato. Condições sub-óxidas, ácidas e ricas em
matéria orgânica podem levar a denitrificação incompleta com
formação também de Nitrito (NO2). A quantidade de NO2 emitida é relati-
vamente pequena em comparação a quantidade de CO2, no entanto o NO2
é cerca de 300 vezes mais potente do que o CO2 como gerador de GGEE.
Existem ainda claras evidências que o NO2 não controlado produzido
durante a reciclagem dos resíduos de carbono adicionados ao solo podem
contribuir com equivalentes em GGEE para a atmosfera que mais do que
compensariam os ganhos em carbono devido a Compostagem Aerada”
Quando você composta matéria orgânica aerobicamente usando os métodos tradicionais, estará gerando uma grande quantidade de Gases Geradores do Efeito Estufa (GGEE) como metano e oxido nitroso além de grande quantidade de CO2 . Esse é o motivo pelo qual a pilha de composto fica reduzida a metade do volume inicial.
Uma grande quantidade de carbono é volatilizado e retorna a atmosfera no processo da decomposição da matéria orgânica. É bem melhor ter esse carbono ligado aos agregados do solo formando húmus estável do que vê-lo indo para a atmosfera.
Mesmo nas condições ideais de CA gases de efeito estufa são emitidos. Mas na realidade, devido as exigências de revolvimento e manutenção da temperaturas e umidades corretas que demandam muito trabalho e esforço, raríssimas vezes as condições aeróbicas são mantidas e parte do processo se desenvolve em condições anaeróbicas incontroladas e isso é um motivo de preocupação. Quando a matéria orgânica é compostada de forma anaeróbica descontrolada gases como oxido nitroso, amônia e gás sulfídrico (H2S) e demais compostos sulfurosos são gerados .
São esses compostos que produzem o mau cheiro característico das grandes operações comerciais de compostagem. A amônia além de volatilizar também lixivia para o solo e eventualmente para o lençol freático, contaminando-o. Essa remoção do Nitrogênio para fora da pilha de composto não é o que você quer. Você quer que ele permaneça na pilha para eventualmente ir para o solo e nutrir as plantas.
Gás Metano também é produzido nas pilhas de compostagem quando os microrganismos metanogênicos a dominam. Esses organismos preferem as condições anaeróbicas com pH neutro. Nessas condições eles são capazes de se multiplicar rapidamente e dominar a pilha de composto completamente, produzindo grandes quantidades de metano. Esse é o mesmo sistema usado em bio digestores para gerar bio-gás ou metano, onde ele é aproveitado e usado como gás combustível.
O impacto comparativo de CH4 sobre a mudança climática é mais de 20 vezes maior do que o CO2, isto é, 1 unidade de metano equivale a mais de 20 unidades de CO2 em se tratando de efeito estufa.
Toda essa produção de GGEE pode ser evitado por meio da fermentação de restos de alimentos pelo processo oriental Bokashi, ao invés da decomposição em um processo oxidativo com a CA.
Quando compostamos pelo método Bokashi, nós fermentamos a matéria orgânica anaerobicamente porém com um pH baixo, de forma que a produção de GGEE é drasticamente reduzida. Microrganismos metanogênicos não sobrevivem a um baixo pH e muito pouco desse gás é produzido.
Por outro lado, Bactérias Lácticas ou formadoras de ácido lático, que é um dos principais grupos de microrganismos usados no Bokashi feito com farelos ou germens de cereais e M.E.M. e resíduos de alimentos, também não são formadoras de gases.
Em um estudo, Dr Lawrence Green – “A Pilot Study Comparing Gaseous Emissions” descobriu que :
“Matéria orgânica processada pelo método de fermentação Bokashi não
produziu nenhuma quantidade mensurável de gases durante o período
de fermentação de 7 dias e quando misturado ao solo ela foi degradada
mais ainda sem nenhuma evidência de liberação de gases. Baseado nesses
dados, aparentemente a fermentação Bokashi não produz quantidades
mensuráveis de emissão de gases no processo de transformação de
resíduos orgânicos a um produto rico em nutrientes que pode ser usado
para a produção agrícola”.
De fato, a observação prática nos indica que pouco ou nenhum gás é realmente formado. Os tambores e/ou sacos não estufam e ao abri-los não ouvimos o som característico da saída de gases.
Outra vantagem incontestável do processo fermentativo Bokashi é que nenhum nutriente é perdido nesse processo. Todos os nutrientes são retidos dentro dos recipientes. Nenhum Nitrogênio é lixiviado ou volatilizado na forma de amônia e nenhum carbono é oxidado e vai para a atmosfera. Toda a matéria orgânica original é preservada e transformada em diversos outros ingredientes interessantes para a vida vegetal.
Para quem já se deu ao trabalho de fazer a Compostagem Aeróbica (CA) tradicional em larga escala, como eu, conhece a energia que é necessária para primeiro transportar duas vezes mais de material para acabar com somente a metade no fim do processo. Depois revirar periodicamente, as vezes até diariamente, para evitar que a temperatura ultrapasse os 60 graus Celsius e procurando manter sempre a umidade necessária.
No processo fermentativo anaeróbico Bokashi nada é perdido. Não é necessário a revirar constantemente e nem é preciso controlar e monitorar a temperatura e a umidade. No Bokashi o sistema é fechado e o material entra com aproximadamente 30 a 40% de umidade e sai com essa mesma umidade e vai terminar o seu processo final de formação de húmus estável após ser adicionado ao solo.
No Bokashi todo o processo leva bem menos tempo que na CA tradicional. Se usarmos os ingredientes tradicionais como farelos, teremos um fermentado pronto para ser usado de 35 a 40 dias após o preparo, envase e inoculação dos sacos ou bags. Talvez até em menos tempo dependendo das condições do ambiente como temperatura e da qualidade do inoculante utilizado, bem como das fontes usadas ou ingredientes.
O Bokashi é um processo anti-oxidativo pela presença de bactérias altamente especializadas em coordenar um processo fermentativo. O principal grupo de bactérias é o das Rhodobacterias também conhecidas como Bactérias Purpuras não Sulfurosas ou (BPNS), depois temos as Bactérias Lácticas e asLeveduras. Se usarmos como matéria prima os Microrganismos Eficientes de Mata (M.E.M.) ou Indigenous Micro Organisms (I.M.O.) poderemos ao final ter também diversas espécies de Fungos e de Actinomicetos.
A fermentação anaeróbica controlada proporcionada pela utilização de Microrganismos Eficientes de Mata ou dos produtos comerciais disponíveis no mercado “Embiotic” e “E.M.-1”, produzem um composto semi acabado rico em substancias anti-oxidantes, vitaminas, ácidos orgânicos e amino ácidos em quantidades elevadas, substancias promotoras de crescimento (PGRs), Nitrogênio na forma amoniacal e muito pouco N na forma de nitratos e principalmente enzimas que, ao serem colocados no solo, estimula muito o desenvolvimento radicular das plantas bem com outros processos como a fotossíntese e as poucos acaba se transformando em substancias recalcitrantes como ácidos húmicos e fúlvicos.
Vale dizer que o aproveitamento e os resultados do Bokashi são muito maiores do que a média dos compostos aeróbicos que existem no mercado.
A seguir apresento uma tabela de comparação entre os dois sistemas de compostagem para facilitar o entendimento das diferenças entre os mesmos.
Tabela 1. Comparação entre os dois sistemas de Compostagem
Compostagem Aeróbica Bokashi
Período do ciclo………………… 3 a 6 meses 30/45 dias
Nível de Energia exigido……… Alto Baixo
Produção de GGEE** …………. Elevada Nenhuma
Demanda de Oxigênio………… Elevada Quase Nenhuma
Natureza química do processo.. Oxidante Anti Oxidante
Perda de Nutrientes……………. Elevada Nenhuma
Perdas de Conteúdos………….. > 50% 0%
Relação C/N Adequada………… Importante Não Importante
Possibilidade de insucesso…… Grande Pequena
Problemas de Odor……………. Elevado Nenhum
Produção de substancias Tóxicas Provável Improvável
Teor Final de Nutrientes ……… Menor Maior
** G.G.E.E – Gases Geradores de Efeito Estufa
O Bokashi não é uma panaceia nem tão pouco a “bala de prata “ para resolver todos os nossos problemas agrícolas, mas uma outra ferramenta importante que nos ajudará na gestão da agricultura sustentável e que, a meu ver, faz muito mais sentido do que a tradicional compostagem aeróbica. Pode ser feita em pequena escala (um saco ou um container plástico hermético) ou em grande escala, mais rápido, sem perdas e sem poluir a atmosfera com GGEE e sem muito esforço.
José Luiz Moreira Garcia
Junho de 2016
Referências
- Green, Lawrence R. A pilot study comparing gaseous emissions associated with organic waste treated with and without Bokashi Fermentation, Bokashicycle, February 2009.
- Footer, Adam. Bokashi Composting, Scrap to Soil in Weeks, New Society Publishers, 162 pgs, 2014.
- Pinto, Vinny. Fermentation with syntropic antioxidative microbes: An advanced guide to brewing EM fermented secondary products, Sustainable Community Development (SCD), Kansas City, MO, 193 pgs, 2004.
- Higa, Teruo. An Earth Saving Revolution: A Means to Resolve Our World’s Problems through Effective MIcroorganisms (EM), SunMark Publishing, Tokyo, Japan, 1993.
- Green, Terence & Radu Popa. Turnover of Carbohydrate-Rich Vegetal Matter during Microaerobic Composting and After Amendment in Soil, Case Study, Print, 2009.
- Cho, Han Kyo. NATURE FARMING. Janong Nature Farming Institute. Chungbuk, Republic of Korea, 2003.
- Park, Hoon & Michael W. DuPonte. How to Cultivate Indigenous Microorganisms (I.M.O.), College of Tropical Agriculture, University of Hawaii, Biotechnology, Aug. 2008.
8. Garcia, Jose Luiz M. Preparo de M.E.M. – Microrganismos Eficientes de Mata.
https://institutodeagriculturabiologica.org/2016/03/25/preparo-de-e-m-efficient-microorganisms/
Fonte: https://institutodeagriculturabiologica.org/2016/06/16/composto-organico/